Mário Santos (Jornal Público)Sábado, 19 de Janeiro de 2002
De Fernando Pessoa, disse uma vez Mário Cesariny: "Viajou sempre em primeira classe, mesmo quando estava parado." Foi numa nota à primeira publicação, em 1953, do poema "Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos" (a lembrar: "Mas vejamos, ó minha alma, se podes, arrumemos/um pouco a casa escura que te deram."). Pessoa nada terá dito de Cesariny por metafísica incompatibilidade de horários. Mas eu próprio - e confesso que não tanto para embaraçar o mutismo pessoano mas porque fazia jeito ao texto então em curso - ousei em 1999 (v. PÚBLICO/"Leituras" de 12/06/99) que se poderia dizer o mesmo de Cesariny. A saber: que bocejou sempre em primeira classe, mesmo (ou sobretudo) quando estava acordado. Entenda-se: bocejou para o tédio remeloso de uma "literatura de talentos" (e outros desalentos), essa literatura que é o remédio rancoroso do tal país onde os homens "são só até ao joelho", ou nem isso, e o lirismo ("Que mau tempo estará a fazer no Porto?/Manhã triste, pela certa!") é só, demasiadas vezes, "epigonismo da prisão de ventre". Da prisão de sempre. Em 2000 (no nº 3 da revista "Hablar/Falar de Poesia") Perfecto Cuadrado, reputado e apaixonado investigador universitário do surrealismo que houve nome em Portugal, voltou à carga. Está visto que o mote engrenou, à desfilada, e tenho de variar a glosa.
2006-11-28
Césariny 1923-2006 (excerto, entrevista)
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astrid
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terça-feira, novembro 28, 2006